Marcadores Moleculares

 

     A idéia de que os cromossomos contêm as unidades informacionais transferidas de uma geração para a outra foi proposta ainda no século XIX. Entretanto, a identificação e descrição do DNA como a molécula que contém esta informação só ocorreu na primeira metade do século XX. Cada cromossomo contém uma longa e única molécula de DNA, além de proteínas que atuam no empacotamento desta molécula. As tecnologias de análise molecular da variabilidade do DNA permitem determinar pontos de referência nos cromossomos, tecnicamente denominados “marcadores moleculares”.

 

Figura. 1. Dogma Centra da Biologia Molecular, evidenciando a influência direta do DNA no fenótipo.
 

     Por marcador molecular define-se todo e qualquer fenótipo molecular oriundo de um gene expresso, como no caso de isoenzimas, ou de um segmento específico de DNA (correspondentemente a regiões expressas ou não do genoma). Marcadores isoenzimáticos são muitas vezes chamados de marcadores bioquímicos. A sequência de nucleotídeos e a função de um marcador molecular podem ou não ser conhecidas e, em geral, são desconhecidas. Ao se verificar o seu comportamento de acordo com as leis básicas de herança de Mendel, um marcador molecular é adicionalmente definido como marcador genético. Isto é feito, por exemplo, através do estudo do comportamento do marcador em uma população segregante. Portanto, é importante enfatizar que o simples fato do marcador ser DNA, ou produto da transcrição e tradução de uma sequência de DNA, não implica em que se constitua em um marcador “genético”, como freqüentemente se supõe.

     Até meados da década de 60, os marcadores utilizados em estudos de genética e melhoramento eram controlados por genes associados a caracteres morfológicos, em geral fenótipos de fácil identificação visual, como nanismo, deficiência clorofílica, cor de pétala ou morfologia foliar. Marcadores morfológicos contribuíram significativamente para o desenvolvimento teórico da análise de ligação gênica e para a construção das primeiras versões de mapas genéticos.

     Entretanto, o pequeno número de marcadores morfológicos distintos em uma mesma linhagem reduzia a probabilidade de se encontrar associações significativas entre estes marcadores e caracteres de importância econômica através do estudo de populações segregante. Portanto, só ocasionalmente é que marcadores morfológicos ligados a genes de importância econômica eram identificados, limitando seu emprego em programas de melhoramento. Além disso, a disponibilidade de marcadores morfológicos era essencialmente restrita às poucas espécies de plantas utilizadas como sistemas modelo para o estudo da genética, tais como milho, tomate e ervilha, onde a intensidade de estudos e disponibilidade de informações genéticas eram maiores.

     A revolução neste quadro iniciou-se com o desenvolvimento de marcadores isoenzimáticos. O número de marcadores genéticos foi ampliado em pelo menos uma ordem de magnitude, e a aplicabilidade da técnica passou a incluir potencialmente todas as espécies de plantas. Com o advento das técnicas modernas da biologia molecular, surgiram diversos métodos de detecção de polimorfismo genético diretamente ao nível de DNA. Inicialmente, a utilização de enzimas de restrição permitiu a análise de comprimento de fragmentos de restrição de DNA (RFLP – Grodzicker et al., 1974). Mais recentemente, o desenvolvimento do processo de amplificação em cadeia utilizando uma DNA polimerase (PCR – Mullis & Faloona, 1987; Saik et al., 1988) levou à descrição de outras classes de marcadores moleculares. Aliadas às técnicas de clonagem e seqüenciamento de DNA, estas metodologias têm possibilitado um rápido acúmulo de informações sobre a estrutura de genomas eucariotos. A disseminação do seu uso contribuiu para a descoberta e estudo de diversas classes de seqüências repetitivas de DNA, chamadas de mini e microssatélites, outra rica fonte de polimorfismo genético. Hoje, um número ilimitado de marcadores moleculares altamente polimórficos pode ser obtido em qualquer organismo vivo.

     Algumas das vantagens de marcadores moleculares sobre marcadores morfológicos:

     (1) Muito esforço e planejamento são necessários para se construir um mapa a partir de marcadores morfológicos uma vez que um número reduzido de marcadores por linhagem restringe a cobertura de genoma. Por outro lado, um grande número de locos de marcadores moleculares pode ter seus alelos estudados em populações segregantes de cruzamentos específicos.

     (2) Marcadores moleculares são, em geral, neutros em relação a efeitos fenotípicos, com mínimo ou nulo efeito epistático ou pleiotrófico. Enquanto os morfológicos muitas vezes coíbem ou restringem o desenvolvimento normal da planta (albinos, mutantes clorofílicos), e seu controle genético pode afetar, ou ser afetado, por genes controlando outros caracteres, dificultando a caracterização dos genótipos.

     (3) Em geral os marcadores moleculares são co-dominantes, contendo maior quantidade de informação genética por loco. Já os marcadores morfológicos são em sua maioria dominantes ou recessivos.

     Além destes aspectos, os marcadores morfológicos apresentam ainda a desvantagem de serem somente identificados ao nível de planta adulta. Entretanto os moleculares podem ser utilizado sem qualquer estágio de desenvolvimento da planta, desde que suficiente DNA possa ser obtida. A identificação de genótipos em estágios iniciais de desenvolvimento da planta abre a possibilidade de acelerar o processo de seleção e recombinação dos indivíduos desejados, reduzindo o tempo necessário para completar uma geração de melhoramento, o que aumenta consideravelmente a eficiência do programa.

     Atualmente se dispõe de um grande arsenal de métodos para a análise de marcadores moleculares, entretanto, falaremos apenas sobre aqueles que são mais empregados. A maioria dos métodos de detecção de polimorfismos moleculares emprega a técnica de eletroforese, cujos princípios estão ilustrados na figura abaixo:

 

Figura 2. Representações das diferentes propriedades das macromoléculas e como estas influem na migração sob um campo elétrico em um meio gelatinoso ou poroso. Diferenças de tamanho, carga elétrica ou forma podem ser responsáveis por diferenças em migração.