O Uso de Marcadores Moleculares no Melhoramento Animal
Um exemplo do uso de marcadores moleculares pode ser citado no caso da síndrome do estresse de suínos- PSS.
A síndrome do estresse em suínos (porcine stress syndrome, PSS) ou hipertemia maligna é responsável por perdas consideráveis na suinocultura, tais como altas taxas de mortalidade dos animais e baixa qualidade da carne. Animais portadores da PSS apresentam uma maior incidência de carne pálida, mole e exsudativa (pale, soft and exsudative, PSE), causando rejeição pelo consumidor e perdas para os frigoríficos (ver peloso, 1994 e Bakstrom e Kaufman, 1995 para revisões sobre o assunto).
Estudos de biologia molecular revelaram que animais portadores da PSS apresentam uma mutação em uma proteína denominada receptor de rianodina (Fujji et al; 1991). Este receptor é um canal de cálcio, responsável por controlar a liberação do mesmo pelo retículo sarcoplasmático. Em animais com PSS, o receptor de rianodina promove a liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático com uma menor estimulação e maior rapidez. A mutação faz também com que o canal demore mais para se fechar. Como conseqüência há uma maior concentração de cálcio no citoplasma, o que resulta em contração muscular e ativação da glicólise que se mantendo por mais tempo por mais tempo, resulta em depleção de reservas de glicogênio, aumento na concentração de ácido lático, gás carbônico e calor. Estas condições podem provocar lesões na membrana citoplasmática, desbalanços de íons e resultar na morte do animal (MacLennan e Philips, 1992). Em situações menos extremas, em que não ocorre a morte do animal, a redução nas reservas de glicogênio antes do abate podem prejudicar o abaixamento do pH e resultar na produção de uma carne com PSE.
A PSS é resultado de uma mudança de uma única base no receptor de rianodina. A mutação é a substituição de C por T na posição 1843 na sequência do gene do RYR1. Esta alteração de base resulta na modificação do codon e promove substituição de uma arginina por uma cisteína. Esta mesma mutação foi encontrada em animais de várias raças, sugerindo a existência de um ancestral comum. As existências de outras mutações no mesmo gene confirmam esta hipótese (Fujji et al; 1991).
O teste de DNA desenvolvido para detectar a PSS utiliza-se de reação em cadeia da polimerase (PCR) para amplificação específica de um fragmento do gene RYR que flanqueie a posição 1843. Em animais normais, e enzima de restrição Hha1 digere o produto amplificado e produz dois fragmentos menores que podem ser observados em gel de agarose ou poliacrilamida. Em animais heterozigotos, apenas metade do produto amplificado é digerido, e isto resulta na visualização de 3 bandas no gel. Se o animal for homozigoto recessiva, a sequência de DNA amplificada não possui o sítio de restrição da enzima Hha1, e não ocorre a digestão do produto amplificado.
Como mencionado anteriormente, a mutação da PSS é a mesma nas diferentes raças, indicando que esta ocorreu em um animal fundador que foi utilizado na formação das diversas raças. Mas, talvez ainda mais importante, é o fato de que esta mutação foi selecionada por melhoristas, mesmo que em diferente intensidade nas diferentes raças. A razão para que animais com PSS tenham sido selecionados, deve-se principalmente ao fato desta mutação estar associada com um maior desenvolvimento muscular. Em um estudo recente com animais de linhagens comerciais, foi observado que animais portadores da PSS quando comparados com animais negativos, apresentavam melhora na conversão alimentar, melhor rendimento de carcaça e maior quantidade de carne na carcaça (Leach,et al; 1996). Por outro lado, animais portadores da PSS apresentam uma maior incidência de PSE. Como descrito por Backstrom e Kaufnnan (1995), animais homozigotos para PSS apresentam uma maior risco (90%) de desenvolver PSE, porém portadores também apresentam uma maior chance de desenvolver PSE do que animais normais. É importante ressaltar, no entanto, que mesmo animais normais podem apresentar PSE.
O teste de DNA para a mutação do RYR ou gene do halotano representa o mais importante exemplo do uso comercial da informação genética molecular na produção animal.