Aplicação de Marcadores de DNA no Melhoramento de Plantas
As etapas fundamentais de um programa de melhoramento de plantas são: obtenção da variabilidade genética; seleção de indivíduos superiores; e avaliação de materiais genéticos promissores para lançamento comercial. Apesar de ganhos genéticos significativos terem sido obtidos na seleção de características de interesse na maioria das espécies de importância agronômica, a expectativa de progresso genético e obtenção de indivíduos ainda melhores permanecem.
Por esta razão, os melhoristas de plantas têm buscado formas de continuar obtendo ganhos genéticos, tornando cada vez mais eficiente cada uma das etapas do programa. A essência deste progresso está em o quanto o fenótipo de um indivíduo expressa o seu genótipo. Por isso que o uso de marcadores moleculares pode auxiliar o melhoramento de plantas, pois possibilita acessar diretamente o genótipo de um indivíduo. Assim, entre as principais aplicações de marcadores de DNA em programas de melhoramento de plantas estão: o monitoramento e organização da variabilidade genética; a seleção assistida por marcadores moleculares; e a proteção de cultivares (Lee, 1995).
Cabe salientar, contudo, que estas aplicações não devem ser generalizadas a todos os programas de melhoramento, e não terão a mesma importância em todas as espécies de plantas. Isso porque o modo de reprodução, as características de interesse, o valor da unidade de seleção, o progresso genético já obtido e outros aspectos pertinentes variam grandemente entre espécies e programas de melhoramento. Por isso, identificar as características de interesse e estabelecer objetivos claros para um programa de melhoramento é passos que precedem a questão: como os marcadores de DNA podem auxiliar o programa?
Como outras tecnologias, os marcadores moleculares terão grande impacto e utilização em algumas situações, mas não em todas. Assim, cabe aos melhoristas junto com os especialistas na área molecular decidirem caso a caso se devem ou não utilizar esta tecnologia. Para tomar esta decisão, contudo, é necessário vislumbrar o potencial de aplicação dessas técnicas, o qual discutiremos a seguir. Responder a questão “como os marcadores moleculares podem auxiliar o melhoramento de plantas?” não é difícil. O difícil e nem sempre claro é responder “quando, em que situações, utilizarem marcadores moleculares?”.
Vamos abordar uma questão de cada vez. Em termos de variabilidade genética, marcadores moleculares permitem: compreender e organizar a variabilidade genética de um programa de melhoramento de forma única, isto é, acessando variabilidade de DNA, que não é influenciado pelo ambiente como são, por exemplo, os caracteres morfológicos e fenotípicos em geral de uma planta. A primeira conseqüência disto é a possibilidade de planejar os cruzamentos de um programa de forma a maximizar as diferenças genéticas entre genótipos elites, diferenças essas que muitas vezes não podem ser observadas em nível de fenótipo. A segunda é a possibilidade de organizar o germoplasma do programa em pools gênicos (grupos de genótipos com características comuns dentro de uma espécie), facilitando a escolha e diminuindo o número de combinações a serem feitas pelo melhoristas.
Em espécies alógamas (espécies com reprodução por fecundação cruzada) como milho e girassol, os marcadores podem ainda auxiliar no estabelecimento de grupos heteróticos (Hongtrakul et al., 1997), diminuindo substancialmente o número de cruzamentos - testes a serem avaliados e posteriores combinações híbridas.
Como conseqüência do estudo da variabilidade genética, muitas vezes é possível identificar o padrão molecular (ou fingerprinting) de genótipos de interesse, que pode ser posteriormente utilizado para a proteção do germoplasma (conjunto de genótipos de uma espécie). Para maior discussão sobre o uso de marcadores moleculares na caracterização de cultivares ver Milach (1998b).
Marcadores moleculares podem ser empregados também na seleção de características de interesse. Neste caso, é necessário primeiro identificar marcadores associados a essas características através do mapeamento molecular (Milach, 1998c). Uma vez que esta informação esteja disponível, é possível selecionar os indivíduos com o marcador de interesse, sem que haja necessidade de avaliar o fenótipo dos mesmos.
Esta, também conhecida como seleção assistida por marcadores moleculares (SAMM), pode ter grande impacto nos casos em que a característica de interesse é de avaliação difícil e cara. Também no caso de espécies perenes, de ciclo longo, quando houver necessidade de esperar alguns anos até que a característica fenotípica se expresse. O sucesso da SAMM dependerá do grau de associação entre marcador e característica de interesse: quanto maior, menor a chance de ocorrer recombinação entre marcador e gene que controla a característica, e maior será a eficiência da seleção. Salientamos que o marcador, na maioria das vezes, está associado à característica, não sendo o gene que controla a mesma.
De acordo com Lee (1995), a expectativa da maioria dos melhoristas de plantas questionados em seu estudo em relação à SAMM foi do uso desta para reduzir o tempo necessário na transferência de genes de interesse, especialmente transgenes (genes transferidos para um genótipo através da transformação genética.), por retrocruzamento. Neste caso, os marcadores podem ser utilizados de duas formas: para selecionar os indivíduos com o maior número de marcadores semelhantes àqueles do pai recorrente e que possuam o transgene de interesse.
Os exemplos de SAMM ainda são escassos na literatura, especialmente porque as informações de programas de melhoramento de empresas privadas, que são hoje, possivelmente, os principais executores de SAAM, não estão disponíveis. Além disso, o limitado uso de SAAM em programas de melhoramento pode ser conseqüência do custo e os procedimentos elaborados da maioria dos marcadores disponíveis. Mesmo assim, alguns exemplos publicados, como é o caso da transferência de genes favoráveis de espécies selvagens para cultivada para aumento de tamanho de fruto em tomate (Tanksley et al., 1996; Tanksley & McCouch, 1997), indicam o grande potencial da SAAM para o melhoramento de plantas. Também utilizando um marcador associado à característica de baixa absorção de cádmio em Triticum durum (Penner et al., 1995a), o grupo do Dr. Penner avaliou em 1996/1997 duas mil linhagens avançadas de trigo duro no Canadá, selecionando-as com menor capacidade de absorção deste metal (Penner, comunicação pessoal).
A possibilidade de converter tipos de marcadores mais elaborados e caros, como RFLP, em mais simples, como STS (Penner et al., 1995b), indica que o uso destes para seleção indireta tende a crescer nos próximos anos. Por fim, o conhecimento do padrão molecular de genótipos poderá ser utilizado, além da proteção legal, para garantir a pureza genética dos mesmos durante os anos de avaliação, bem como após o lançamento comercial. Em relação à pergunta “em que circunstâncias utilizarem marcadores moleculares no programa de melhoramento de plantas?”, acreditamos que o melhoristas deva resolver este aspecto com base na resposta a outras perguntas que agora formulamos. Em termos de variabilidade genética:
1ºA - quão difícil é para o melhoristas escolher os genótipos genitores e decidir que combinações fazer em número razoável? Se muito difícil, em função do grau de parentesco dos genótipos elites do programa, marcadores podem auxiliar?
2ºA- A variabilidade genética disponível entre genótipos adaptados é suficiente ou há necessidade de buscar variabilidade em outras espécies (selvagens)? Se espécies selvagens for alvo de interesse, marcadores podem auxiliar a transferência de alelos favoráveis destas espécies e na redução de genes desfavoráveis ligados aos mesmos. Em termos de seleção
1º - Irá a SAMM levar a ganhos genéticos superiores se comparada à seleção feita com base no fenótipo? A regra geral é a mesma para a seleção indireta, isto é, baseada na equação:
h2 marcador (2) x r12 > h2 fenótipo (1)
onde:
h2marcador (2) = herdabilidade do marcador (=100%);
r12 = correlação entre marcador e característica fenotípica a ser selecionada;
h2 fenótipo (1) = herdabilidade para característica fenotípica de interesse.
Herdabilidade = porção da variação fenotípica devido à constituição genética
Neste caso, se o produto de h2 marcador (2) e r12 for maior que o valor de h2 fenótipo (1), então justifica fazer SAMM;
2º - Os fatores tempo, custo e eficiência da seleção favorecem a SAMM, em vez da seleção com base no fenótipo?
3º - Em relação ao tempo, qual é a necessidade de diminuir consideravelmente o número de anos para colocar um novo cultivar no mercado?
Se muito grande, a SAMM pode ser fundamental. Em termos de avaliação e lançamento de variedades: há necessidade de proteção legal do germoplasma do programa? Se a resposta for sim, marcadores podem auxiliar. Muitas outras perguntas pertinentes poderiam ainda ser formuladas, cujas respostas dependerão da realidade do programa de melhoramento, da espécie, e dos recursos financeiros, físicos e humanos em questão.
A mensagem principal que gostaríamos de deixar após a discussão aqui apresentada é que: marcadores moleculares representam, sem dúvida, uma ferramenta poderosa que já está tendo e ainda terá grande impacto no melhoramento de plantas. A decisão do uso desta ferramenta nos diversos programas de melhoramento depende, contudo, da avaliação cautelosa da situação dos mesmos e das circunstâncias em que se pretende aplicá-los.